Texto de Maria Teresa Sousa
O mês é abril, o ano é 2020 e o país é Portugal. Estamos todxs fechadxs em casa num estado de emergência forçado pela pandemia da COVID-19 e eis que surge a edição deste mês da revista Vogue Portugal. Apresenta-se com uma mensagem de que fear will not stop us (o medo não nos parará) sob um título que caracteriza o momento que vivemos: freedom on hold, ou seja, “liberdade em espera”. Esta edição celebra a liberdade no mês da revolução dos cravos, um dos momentos históricos que mais marcou a maneira de viver e estar dxs portuguesxs, numa altura em que a expressão mais básica desta palavra, a liberdade de sairmos à rua e de estarmos com xs outrxs está limitada e controlada.
Uma das duas capas escolhidas para esta edição consiste na fotografia de um casal que se beija através de máscaras e, obteve tantos aplausos (virtuais) pela esperança do amor em tempos de isolamento, como críticas pela tentativa de romantização de uma pandemia. Estas críticas que gravitaram entre positivas, negativas e, maioritariamente, construtivas, passaram-se nas redes sociais, mais concretamente no instagram, onde qualquer pessoa pode, potencialmente, comentar de uma forma livre. Pelo menos assim pensávamos.
No momento em que a capa da Vogue Portugal foi publicada na sua conta pública e verificada, fui uma das pessoas a expressar a minha desilusão com a mesma. Não só a imagem prima pela falta de criatividade por ser uma cópia de uma fotografia entre dois atorxs num ensaio durante uma epidemia de gripe em 1937 mas, a mensagem que passa, de duas pessoas que se beijam sob máscaras, incorre numa falsa sensação de segurança. A meu ver potencia a utilização de uma máscara como se de um acessório de moda se tratasse, num mundo em que escasseiam essas protecções até mesmo para médicxs e enfermeirxs. Mas, acima de tudo, tenta transformar um pesadelo em que a cada minuto morrem mais e mais pessoas numa fantasia de um romance proibido.
Mas isto é só a minha opinião e o problema é o que a Vogue Portugal faz com as nossas opiniões.
No dia em que surge a capa da edição deste mês da revista Vogue Itália - completamente em branco, que nas palavras dos seus responsáveis significa respeito, renascimento, a luz depois da escuridão, a cor do uniforme de quem está na linha da frente, etc, ou seja, tudo o que verdadeiramente importa retratar num momento trágico da história mundial – deparo-me com o facto de ter sido bloqueada no instagram pela sua homónima portuguesa.
Para dar um pouco de contexto ao que se segue devo esclarecer que apesar de ser arquitecta de profissão, já fiz bastantes trabalhos como modelo e como stylist, daí estar minimamente inserida no mundo da moda portuguesa, nem que seja pelas amizades que fui fazendo ao longo dos anos. Sendo assim, depois de me ter deparado com esta situação inédita vinda de uma conta de uma revista, comentei com amigxs da área, que também tinham demonstrado o seu desagrado na secção de comentários da infame capa da revista. Para nosso grande espanto, também elxs tinham sido bloqueadxs.
A partir de um pequeno desabafo nas histórias do instagram sobre esta ocorrência, vim a descobrir que a quantidade de contas bloqueadas pela “prestigiada” Vogue Portugal já
ultrapassava as três dezenas. Quem comentou, quem gostou de comentários, até mesmo quem era amigx de quem comentou, foi bloqueadx. Mais surpreendente é o facto de até antigxs colaboradorxs da revista terem sido bloqueadxs: fotógrafxs, stylists, ex- directorxs de moda, entre outrxs.
"O que é que acontece quando a cultura de cancelamento limita a liberdade de expressão e potencia o medo de falar livremente, sem constrangimentos e restrições?"
(Excerto do artigo “liberdade em tempos de cólera” por Mónica Bozinoski na edição de abril da revista Vogue Portugal)
Se a Vogue Portugal impede leitorxs, seguidorxs, colaboradorxs, entre outrxs, de expressarem as suas opiniões e até mesmo de concordarem com opiniões de outrem, mas também xs proíbe de aceder ao seu instagram, para que serve uma revista como a Vogue Portugal? Para apenas ser lida e visualizada por quem os aplaude e não acrescenta nada? A moda, para mim, sempre será um meio de expressar a individualidade de cada um/a, de criar debate e conversa, não de tapar bocas e criar cópias formatadas.
"Enquanto jovens, sabemos que os nossos pais e avós lutaram por tantas das nossas liberdades básicas: a liberdade de nos expressarmos, de nos manifestarmos, de nos movermos. Lutaram pela nossa liberdade de escolher."
(Excerto do artigo “uma viagem à volta da liberdade” por Mathilde Misciagna na edição de abril da revista Vogue Portugal)
Acima de tudo, serve este artigo para desmascararmos a “liberdade” que a revista Vogue Portugal tanto aclama neste mês de abril. Numa edição em que todos os editoriais e artigos se debruçam sobre as diversas liberdades, chega a ser irónico tirarem-nos uma delas: a de expressão.
Aquilo que se passou com dezenas de pessoas como eu, tem um nome: censura.
Mas abril é o mês da liberdade, e quando alguém for contra a liberdade de um indivíduo ou de um grupo, deve ser exposto.
Tal como a Vogue Portugal disse, e bem, “o medo não nos parará”. A censura não nos calará.
"A palavra escrita será sempre a mais poderosa arma de todas. Sabendo-o, há quem precise de a silenciar com urgências de guerrilha. Quando isso acontece, podemos ter a certeza de que lutamos pelo que está certo. Só quem tem silêncios incómodos tenta silenciar quem tem voz ativa. E é por isso que a liberdade de expressão é o maior dos voos da Humanidade."
(Excerto do artigo “vai partir o expresso liberdade” por Nuno Miguel Dias na edição de abril da revista Vogue Portugal)
Maria Teresa Sousa, 27 anos, arquitecta, baseada no Porto, com trabalho desenvolvido na área da moda como modelo e como stylist freelancer.
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