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Pelo aborto seguro de acesso universal e gratuito
2024 é um ano de memória de lutas e de direitos conquistados. Passaram-se cinquenta anos do 25 de Abril. Passaram-se dezassete anos da despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG). A Lei nº 16/2007 consagrou o direito ao acesso ao aborto seguro e gratuito, resultado de uma luta de mais de dez anos e dois referendos, encabeçada por muitas mulheres, profissionais de saúde e grupos do movimento social.
Preservar a democracia, é preservar os direitos conquistados, é nomear o que está por fazer e o que deixou de ser feito. Em Portugal, os números da Direção Geral de Saúde (DGS) dizem-nos que existem 40 unidades hospitalares preparadas para garantir a prática à IVG, mas apenas 29 unidades o fazem. A objeção de consciência, que não deveria constituir uma barreira à aplicação legal da lei, tornou-se um boicote burocrático e moral na prática em hospitais com especialidade de Ginecologia e Obstetrícia. Por não ser obrigatório prestar informação a priori sobre profissionais de saúde que exercem do direito de objeção de consciência num registo nacional, não existe capacidade nem para o mapeamento das unidades de saúde que garantem o direito ao aborto, nem para organizar os serviços, viabilizando-o.
Quando uma porta aberta é encontrada, o tempo médio de espera entre a consulta prévia e o dia de realização da IVG são cinco dias, entre as insuficientes 10 semanas que a lei impõe. O retrato é o seguinte: mulheres que percorrem quilómetros, reencaminhadas, especialmente nos casos de residentes nas regiões do Centro, Alentejo e Açores, para procurarem uma alternativa nos centros urbanos com maior oferta de serviços de saúde, um percurso que termina, em muitos dos casos, em Lisboa, na Clínica dos Arcos, com recurso ao privado. Temos, assim, um Estado que não assegura que o direito ao aborto seja efetivado no Serviço Nacional de Saúde sem boicotes e reencaminhamentos.
Sabemos que, em Portugal, realizar uma IVG é correr contra o tempo, contra a própria gramática da lei, que se revela conservadora, num exercício comparativo com a maioria dos países europeus, no que concerne ao prazo legal. Face às 12 semanas praticadas pela larga maioria dos países com enquadramento legal para a interrupção voluntária da gravidez a pedido da pessoa grávida, continuamos a limitar em Portugal o prazo às 10 semanas. Segundo o Relatório de Análise Preliminar dos Registos das Interrupções da Gravidez (2018-2021), somos o país da Europa com a mais curta mediana de semanas de gestação para a realização da interrupção (sete semanas), mas continua a haver mulheres que não conseguem aceder à IVG dentro do período gestacional legal. Estamos perante uma lei restritiva por impor, também, um período de reflexão obrigatório e a intervenção de dois médicos/as na realização da Interrupção Voluntária da Gravidez.
Não queremos excesso de zelo, queremos que a Saúde Sexual e Reprodutiva não seja a subcave da saúde. Queremos um enquadramento da lei do presente. Queremos que o Estado português cumpra a sua obrigação legal e audite as condições efetivas para que o direito ao aborto seguro e gratuito seja assegurado no Serviço Nacional de Saúde, sem entraves coletivos e burocráticos à autedeterminação.
Passados dezassete anos da vitória no referendo de 11 de Fevereiro de 2007, que descriminalizou o aborto a pedido da pessoa grávida, enumeramos tudo o que falta fazer e exigimos ao Estado português, num tempo em que a defesa da democracia, da liberdade, da autodeterminação e dos direitos não pode esperar por um posicionamento inequívoco. Por isso reivindicamos, seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS):
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Terminar com o período de reflexão obrigatório;
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Terminar com a obrigação da intervenção de dois médicos/a para a realização da Interrupção Voluntária da Gravidez;
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Alargar o prazo de limite gestacional até às 12 semanas, acompanhando as legislações aprovadas na maioria dos países europeus;
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Alargar a prática da Interrupção Voluntária da Gravidez médica aos cuidados de saúde primários, fortalecendo a rede territorial em todo o país, mas garantindo o direito à escolha da pessoa grávida relativamente à unidade de saúde a que recorre;
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Investir na formação e sensibilização de profissionais de saúde, em atividade e em período de formação, nas áreas da Saúde Sexual e Reprodutiva;
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Garantir que todas as unidades de saúde preparadas para a prática da IVG, asseguram o direito efetivo à mesma, não podendo a objeção de consciência constituir-se como obstáculo ao cumprimento da lei.
A Coletiva
Associação para o Planeamento da Família (APF)